terça-feira, 28 de outubro de 2008

Para escutar...e reter




Quando oiço falar muito no desafio científico e tecnológico, e que todo o investimento deve ir para a ciência e tecnologia, fico preocupado. Os homens integrais são feitos das diversas componentes da vida, e cultura científica e tecnológica sem cultura humanística não serve para nada. Serve para criar uns monstros que fazem bombas atómicas e não para criar pessoas que utilizem a energia nuclear para fins pacíficos. E o que nós pretendemos são estes, não os primeiros. (...) O acesso ao computador, ao telemóvel e outros meios tecnológicos não é incompatível com a cultura. Estes meios devem ser postos ao serviço de uma visão de vida que tende ser essencialmente ética, responsável e humanista.(...) O desinvestimento na chamada cultura humanística é preocupante. É preocupante saber-se que há vontade de desinvestir no ensino da música no Conservatório; é preocupante querer retirar a obrigatoriedade do ensino da filosofia nos currícula. A ciência não ensina tudo. Há cerca de vinte anos, trabalhava eu numa multinacional ligada à cultura, à edição, e numa reunião internacional falei com um colega inglês e perguntei-lhe como é que ele seleccionava um director de marketing, que era o que nós precisávamos em Portugal. E ele respondeu-me: «licenciado em filosofia». E explicou-me que os licenciados em marketing são bons para executar, mas os licenciados em filosofia são bons para pensar. E o que se espera de um director de marketing não é que execute, mas que tenha ideias. Esta é uma imagem fortíssima e combate a ideia errada de que para se fazer uma coisa é preciso ir buscar um especialista nessa área. Para pensar, para levar as outras pessoas a pensar, para gerir equipas, não se aprende nos cursos técnicos, mas em cursos que têm que ver com o homem, com a pessoa humana, com a psicologia, a história, a filosofia. Muitas vezes, o saber lidar com pessoas é mais importante do que saber em que sítio é que determinada porca atarraxa. Isso é para quem executa. Para gerir, para pensar, é preciso outro tipo de formação.

António Mega Ferreira (1949- ) Revista Life – Março/2007

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